Necrose Pulpar: Reabilitação anterior com faceta dentária no incisivo central superior

Resumo

A descoloração de um dente é frequentemente encontrada, existindo uma variedade de opções para o seu tratamento. A necrose pulpar é uma das formas que poderá provocar descoloração dentária intrínseca, sendo que deverá ser adoptada uma estratégia minimamente invasiva para a sua correção, desde branqueamento até colocação de facetas dentárias.

As facetas em cerâmica oferecem uma restauração com estabilidade de cor e morfologia e com taxas de sobrevivência altas. Este tipo de reabilitação é útil no tratamento de dentes com pouca estética devido a escurecimento, causado por traumatismo dentário, tratamento endodôntico, restaurações prévias ou causas sistémicas.

Neste caso clínico, a paciente apresentou-se na consulta com queixas estéticas relacionadas com o escurecimento do incisivo central superior direito. O mesmo sofreu umtraumatismo prévio. Após avaliação clínica e radiográfica e diagnóstico endodôntico de necrose e obliteração pulpar, optou-se por colocar uma faceta dentária de forma a mimetizar a estética dentária anterior.

Palavras-chave: faceta dentária, necrose pulpar, obliteração pulpar, estética.

Introdução

Os traumatismos dentários são frequentes tanto na dentição decídua como na permanente e poderão resultar em várias complicações como necrose pulpar, obliteraçãodo canal radicular ou reabsorção radicular. O tratamento precoce e follow-up regular de dentes traumatizados podem reduzir estas complicações (Jacobsen e Kerekes, 1977; Dumsha e Hoyland, 1982; Rayn, 1982; Andreasen, 1985; Andreasen e cols, 1985; Andreasen e cols, 1986; Andreasen e cols, 1989; Al-Nazhan e cols, 1995).

Quando um único dente está envolvido na descoloração, particularmente na região anterior superior, os pacientes estão muitas vezes conscientes da sua aparência e altamente motivados para tentar resolver o problema. Estabelecer um correto diagnóstico para a causa da descoloração é importante, uma vez que influencia a seleção do tratamento mais adequado e o seu resultado. A causa da descoloração dos dentes é geralmente classificada em extrínseca ou intrínseca (Watts e Addy, 2001; Sulieman, 2005; Tredwin e cols, 2005; Plotino e cols, 2008; Barber e King, 2014; Migliau, 2015). A descoloração de causa extrínseca é normalmente generalizada, afetando vários dentes, e resulta de cromógenos derivados da dieta, de coloração direta proveniente do tabaco e do café, por exemplo, ou de causas indiretas resultantes de interações químicas entre a superfície dentária e um composto, como a clorexidina, afetando a superfície externa dos dentes (Barber e King, 2014; Migliau, 2015). Por outro lado, a descoloração intrínseca resulta de uma alteração na composição estrutural normal ou na espessura dos tecidos dentários e está subdividida em causas locais e causas sistémicas  (Migliau, 2015). As causas locais da descoloração intrínseca são as causas mais comuns do dente escurecido único (Plotino e cols, 2008; Barber e King, 2014). Estas causas incluem a necrose pulpar, que provoca a libertação de subprodutos nocivos que podem penetrar os túbulos dentinários e causar descoloração da dentina circundante, sendo que o grau de descoloração se encontra diretamente relacionado com o tempo de necrose pulpar (Attin e cols, 2003; Barber e King, 2014).

As estratégias de tratamento apropriadas nestes casos podem variar desde a monitorização da descoloração até à extração do dente envolvido e a reposição prostodôntica, ou desde métodos mais conservadores como o branqueamento dentário até à aplicação de facetas dentárias. A avaliação cuidadosa e o diagnóstico do dente em causa e a consideração do estado dos dentes adjacentes são, portanto, essenciais para orientar o clínico para a escolha da estratégia mais apropriada. Os procedimentos envolvidos podem variar de acordo com a previsibilidade de resolução da descoloração e estabilidade do resultado final, ao longo do tempo (Barber e King, 2014).

O branqueamento de dentes não vitais é uma intervenção de relativamente baixo risco que melhora a estética de dentes que apresentem tratamento endodôntico realizado. Esta técnica passa por colocar um agente de branqueamento no interior da câmara pulpar do dente, após selar a porção coronal do canal radicular com ionómero de vidro, visando melhorar a descoloração do mesmo (Migliau, 2015).

O branqueamento de dentes vitais é uma técnica não invasiva que é frequentemente usada em combinação com outras técnicas de forma a alcançar resultados estéticos e é útil na resolução do escurecimento de dentes únicos devido a obliteração do canal pulpar ou metamorfose calcificante, que são condições geralmente assintomáticas e caracterizadas por uma deposição de tecido duro no canal radicular e por uma descoloração amarelada da coroa clínica, impedindo frequentemente a realização de tratamento endodôntico, por risco de perfuração (McCabe e Dummer, 2012; Barber e King, 2014).

Relativamente ao uso de facetas, que permitem mascarar o escurecimento dentário, são definidas, pela Academia de Prostodontia, como restaurações em cerâmica que corrigem a face vestibular e parte das faces interproximais dos dentes que necessitam de intervenção estética. Esta é uma opção de tratamento conservadora para dentes que apresentem descoloração e estejam desalinhados com malformações, fraturas ou desgaste e proporciona uma reabilitação estética e funcional (Hahm e cols, 2000; Aristidis e Dimitra, 2002; The Academy of Prosthodontics, 2005; Akoğlu e Gemalnaz, 2011; da Costa e cols, 2013).

As facetas em cerâmica apresentam estudos clínicos que relatam taxas de sobrevivência superiores a 90% até 4 a 10 anos de follow-up (Karlsson e cols, 1992; Dunne e Millar, 1993; Friedman, 1998; Oh WS e cols, 2002; Peumans e cols, 2004; Fradeani e cols, 2005; Guess e Stappert, 2008; Gresnigt e cols, 2013). A cerâmica tem sido sempre o material de eleição para restaurações anteriores indiretas devido à sua eficácia na reprodução da estrutura e translucidez de um dente natural, sendo que apresenta excelente biocompatibilidade e muito boa estabilidade química e de cor, a longo prazo (Anusavice, 1992).

Achados Clínicos

Paciente saudável, com história médica prévia de traumatismo dentário, com queixas relativas à coloração do incisivo central superior direito. Numa primeira observação clínica, foi possível identificar a causa do escurecimento do dente, a partir de diagnóstico endodôntico de necrose pulpar.

Fotografias 1.1 e 1.2 Caso clínico inicial. É possível observar o escurecimento do incisivo central direito.

Cronograma

Primeira Consulta

Outubro 2014

Paciente insatisfeita com a descoloração do incisivo central superior direito;
Exame intra-oral, avaliação radiográfica e periodontal;
Diagnóstico endodôntico de necrose pulpar do incisivo central superior direito

Tratamento

Dezembro 2014

Observação radiográfica e clínica e diagnóstico de obliteração pulpar do incisivo central superior direito;
Realização de branqueamento externo, sem resultados no escurecimento do dente.

Janeiro 2015

Preparação dentária para colocação de faceta em cerâmica;
Impressões definitivas, com fio de retração, e colocação de faceta provisória Colocação de faceta dentária em cerâmica.

Follow-up

Agosto 2015
Observação e avaliação da reabilitação, com bons resultados estéticos e funcionais;

Avaliação diagnóstica

Após análise radiográfica e de efetuados os testes endodônticos que permitem avaliar a vitalidade pulpar, o incisivo lateral superior direito foi diagnosticado como necrótico e ambos os incisivos centrais apresentavam reabsorção radicular. Uma radiografia periapical, tal como a avaliação clínica do incisivo central direito, confirmaram a obliteração do canal pulpar.

Radiografia 1 Caso clínico inicial. É possível observar reabsorção radicular dos incisivos centrais superiores.

Intervenção terapêutica

Dado o diagnóstico realizado de necrose e obliteração pulpar e do insucesso do branqueamento externo na correção da descoloração, foi planeado, em conjunto com a paciente, a colocação de faceta dentária no incisivo central superior direito, de forma a reproduzir a cor e forma inerentes ao mesmo.

Numa primeira fase, foram feitas as impressões preliminares para posterior reabilitação provisória e escolhida a cor para a faceta dentária através da escala de cores VITA Classical®. De seguida, foi realizada a preparação dentária para colocação de faceta em cerâmica, sob anestesia local. Tendo em conta a coloração presente, foi feito o desgaste dentário de forma a mimetizar a translucidez e opacidade inerentes à ótica dentária. Foi colocado fio de retração gengival (Ultrapak #0, Ultradent®) para uma impressão definitiva correta, com o limite cervical da futura faceta bem definido. Após este procedimento, foi colocada uma restauração provisória em resina composta., através do método direto.

Após duas semanas, foi removida a restauração provisória e, de seguida, a faceta cerâmica definitiva, previamente tratada com ácido hidrofluorídrico (Porcelain Etch Gel 9.6% ácido hidrofluorídrico Pulpdent Corporation®), ácido fosfórico (Clarben Octacid 37% ácido fosfórico®), aplicação de silano (Monobond Plus Ivoclar Vivadent®) e de adesivo (OptiBondTM FL Kerr®), sendo colocada na superfície dentária, também tratada com ácido fosfórico (Clarben Octacid 37% ácido fosfórico®), primer e adesivo fotopolimerizável (OptiBondTM FL Kerr®), através de cimento resinoso (Variolink® Esthetic Neutral Ivoclar Vivadent).

Seguimento e Resultados

Foi realizado follow-up do caso, após 7 meses, apresentando boa adaptação e estabilidade, e sem queixas associadas.

Este caso clínico, com colocação de faceta dentária, de forma a corrigir o escurecimento presente no incisivo central superior, atingiu os resultados clínicos e estéticos planeados e desejados.

Discussão

O motivo para procurar tratamento após lesão dentária deve-se frequentemente a sintomas estéticos ou clínicos, como dor e edema (Garcia-Godoy e cols, 1989; Al-Nazhan e cols, 1995).

Uma variedade de estratégias de tratamento podem ser apropriadas para os casos de descoloração num único dente, dependendo do diagnóstico. Numa primeira fase, devem ser consideradas a etiologia, prevenção e as opções restauradoras minimamente invasivas (Barber e King, 2014).

Na presença de obliteração canalar, geralmente é aceite que os testes de sensibilidade não são de confiança (Holcomb e Gregory, 1967; Robertson e cols, 1996; Oginni e cols, 2009; McCabe e Dummer, 2012). Existe alguma divergência na literatura relativamente ao tratamento ideal dos dentes com sinais de obliteração pulpar. Patersson e Mitchell (1965) afirmam que um dente com sinais de obliteração pulpar devido a trauma deve ser considerado como um foco potencial para infecção e o tratamento do canal radicular é necessário. Por outro lado, Pedorella e cols. (2000) descrevem a preparação de uma cavidade de acesso, a remoção da dentina esclerótica coronal e a colocação de uma base apropriada, sem considerar o tratamento endodôntico e posteriormente o branqueamento interno e externo. No entanto, a abertura na câmara pulpar sem considerar o tratamento do canal radicular predispõe a polpa ao eventual aparecimento de infeção (McCabe e Dummer, 2012).

As facetas dentárias são uma estratégia que permite mascarar os dentes com pouca estética, resultante da descoloração, sendo que o seu sucesso é influenciado por vários fatores que incluem a cor do dente subjacente, a opacidade da cerâmica, o cimento utilizado e a espessura da restauração (Jansma e cols, 1997; Gresnigt e cols, 2013). As propriedades estéticas e a técnica de preparação dentária conservadora, geralmente limitada ao esmalte, torna as facetas dentárias uma opção altamente aceite pelos pacientes e com grande estabilidade a médio e longo prazo, quando corretamente indicadas (da Costa e cols, 2013).

Fotografias 2.1 e 2.2 Caso clínico final, com colocação de faceta dentária no incisivo central superior direito.

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