
28 Jul A viagem à Índia – Parte 2
Era de madrugada, o sol estava a nascer e eu já tinha andado mais de 20 km a pé. Cheguei então a uma estrada em Satara onde passava um comerciante de especiarias com uma carripana muito barulhenta e desengonçada. Ele sobressaia da viatura cinzenta escura com o seu turbante amarelo girassol e as suas barbas compridas e brancas sobre a pele queimada do sol e alaranjada das especiarias.
Pedi boleia com o polegar e apontei para um avião ilustrado na contra capa do meu guia de viagem da Índia. Não dissemos uma única palavra, sorrimos apenas. A tranquilidade e a paz envolviam-nos, estava naquela estrada vazia por percorrer, na esperança de mais um dia que nascia e na quietude daquela paisagem silenciosa.
Encontrava aqui uma resposta para a minha ansiedade e juventude inquieta, senti que amadurecia naquele crepúsculo, aquela viagem até ao aeroporto foi eterna. Despedimo-nos e eu fiquei a vê-lo a desaparecer em câmara lenta por entre o alvoroço indiano.
Sai a correr do check in, o próximo voo para Nova Deli ia partir em meia hora.
Nova Déli tornou-se o centro empresarial da Índia depois da independência, em 1947, quando o país deixou de ser uma colónia britânica. A capital indiana é ideal para perceber a concentração de valores tradicionais do país e as sugestões da vida moderna. Indianas elegantes vestidas com sáris coloridos e jovens de fato a falarem ao telemóvel apressados, contrastavam com a miséria dos que seguem a sina de uma casta inferior.
Depois de mais dois dias em Déli decidi seguir a recomendação da minha mãe e fazer o triângulo dourado – Déli, Jaipur (a cidade cor-de-rosa e capital do Rajastão) e Agra (com o Taj Mahal um dos mais importantes símbolos indianos).
A conclusão a que cheguei desta viagem alucinante é que a Índia é um mundo à parte, a chave é a aceitação, sem qualquer restrição ou preconceito. Se o conseguirmos fazer vamos ser escolhidos e abraçados por este país tão rico. A Índia é o país com a mais longa e contínua tradição espiritual no mundo. O Sanatana Dharma é a mais antiga religião, os Vedas são as mais antigas escrituras espirituais e o yoga a mais antiga prática física e espiritual.
Depois de traçado o triângulo voltei ao ponto de partida, Nova Déli, no dia 31 de Dezembro. Passei o ano novo, não da forma que idealizei – sozinho, a jantar um Big Mac – mas ainda assim foi uma experiência positiva que trago comigo.
Nessa noite decidi que queria voltar para Sul, ir até Goa e fazer a costa do Mar da Arábia de scooter. Assim foi, foram 10 dias a descobrir praias incríveis, a conhecer viajantes de todo o mundo e perceber um bocadinho da essência de Goa. Um estado indiano onde os navegadores portugueses deixaram a sua marca, levando pela primeira vez a cultura ocidental ao oriente e 50 anos depois de Goa deixar de ser portuguesa, ainda são evidentes as influências lusitanas.
Enquanto fazia a minha jornada de scooter, ao oitavo dia, na praia de Colomb, estava sentado na areia ao por do sol e percebi que finalmente as respostas tinham chegado. Não sei se foram as respostas de uma vida, mas com certeza as respostas que precisava na fase em que me encontrava e que me posicionaram onde estou hoje.
Tive a certeza que queria deixar de trabalhar nos “hipermercados da medicina dentária”, que queria criar o meu próprio espaço, diferente de todas as clínicas que já existiam, um espaço sem barreiras. A minha ambição era inovar, ser diferente do convencional, mas também criar uma experiência libertadora para os meus pacientes. Tinha de me destacar do mercado e fazer a diferença, criar medicina dentária de excelência e para isso precisava de me separar da medicina tradicional, mudar mentalidades e processos.
Três dias mais tarde, já sentado no avião, despedia-me da Índia, em paz e infinitamente grato. Ia começar uma nova etapa e não podia sentir mais energia ou determinação.